Índia, África do Sul somados a outros 110 países periféricos propuseram suspensão das patentes e medicamentos correlatos durante o enfrentamento da pandemia a OMC. A proposta ocorreu ainda em 2020. Estados Unidos, Índia e União Europeia se posicionaram contra. Brasil, como se dono de indústria farmacêutica fosse, seguiu a posição das potências ocidentais. Trata-se do alinhamento automático a troco de nada. O cenário motivador da proposta é de uma lógica irrespondível. Já foram distribuídas aproximadamente 700 milhões de doses de vacinas no planeta, sendo que 90% delas tiveram os países centrais e de renda média como destinatários. A OMS destaca que apenas 0,2% das doses foram direcionadas aos países pobres. Os dados se tornam mais vexatórios quando se usa a didática: uma em quatro pessoas já foram vacinadas nos países centrais, enquanto nos periféricos a proporção é de uma em 500. Argumento 1: a doença é global e nenhum país ficará livre dela sozinho. Deste facto, depende também a economia.
China e Rússia em aliança estratégica impões ao mundo a chamada “diplomacia da vacina”. A seu modo, cada país usam os medicamentos como ativos para intensificar sua zona de influência. Hoje, juntos, China e Rússia formam o mais moderno complexo militar, associado a maior economia do planeta. China tenta estabelecer seu papel na economia mundial de forma estrutural com a “Nova Rota da Ceda”. Conduz investimentos em infraestrutura de dimensões transformacionais em todo o mundo. Em breve, Cuba também estará distribuindo sua Soberana. Argumento 2: vacina se transformou em ferramenta diplomática.
Não há vacina que não tenham sido produto de vultuosos investimentos públicos. As estadunidenses Moderna e Pfizer usam tecnologias que surgiram por força de financiamentos estáveis e de longo prazo de agências como DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency) e NIH (National Institutes of Health). Foi o Estado, via agências públicas, o responsável direto por pesquisas que permitiram o surgimento de vacinas de RNA. Argumento 3: Ao se posicionar favorável a suspensão temporária de patentes, Biden toma para si o direito de gerência por sobre investimentos e interesses dos Estados Unidos.
Ao surpreender o mundo com a mudança de posição junto a OMC, o governo estadunidense toma uma decisão geopolítica. Uma forma de melhor se posicionar na conjuntura internacional. Sua economia também depende da recuperação econômica mundial — Argumento 1; há uma necessidade premente de frear a influência de países não alinhados — Argumento 2; os Estados Unidos tem absoluto direito de gerir seus investimentos via agências de fomento — Argumento 3.
É uma pena que a eventual suspensão de patentes somente permitiria a prática de engenharia reversa para a descentralização da produção. É pouco! Algo que pouquíssimas nações teriam condições concretas de realizar. Além de chegar com um inconcebível atraso, os factos demonstram os reais interesses por trás da decisão.
Nada mudou. American first!