A inclusão da Ceitec no programa de desestatização e a posterior opção por sua liquidação é arquétipo da dissolução do Brasil.
Isso mesmo. Ceitec é uma estatal que será dissolvida e não privatizada.
A função de pesquisa que restar será assumida por uma OS com aporte reduzido do governo. É o que propõem pareceres do corpo técnico tanto do Ministério da Economia quanto da Ciência e tecnologia.
Funcionários estão sendo exonerados e a expectativa é que os bens e estoque sejam alienados e leiloados.
A antiga sociedade civil inaugurada em 2000 passou à categoria de Estatal em 2008. A missão da Ceitec era preparar as bases da inserção brasileira ao cada vez mais importante mercado de semicondutores e microeletrônica.
Também fazia parte dos objetivos o estímulo ao surgimento de outras empresas do setor através a formação de cadeias produtivas e formação de capital humano.
A principal alegação para a dissolução é que a Ceitec não seria sustentável e demoraria para conseguir caminhar com as próprias pernas. Esquecem-se de alguns pontos:
1. Aumento do patrimônio líquido da empresa e a queda nas subvenções do governo;
2. A fábrica só foi finalizada em 2016, ano quando deveriam começar a ser analisados a evolução dos balancetes financeiros;
3. A Ceitec investiu em projetos para encomendas governamentais que não se concretizaram. É o caso de chips para o rastreamento de rebanhos de gado e monitoramento de saúde;
O caso dos chips para passaporte por meio de convênio com a Casa da Moeda salta aos olhos. O desenvolvimento do produto foi um sucesso com direito a certificação internacional. Entretanto, a Casa da Moeda optou por comprar de uma empresa estrangeira, alimentando divisas e empregos em outro país.
4. O mais relevante é que não existe caso de avanço tecnológico significativo sem aporte seguro, contínuo e de longo prazo por parte de governos. Essa é a única fórmula para caminhar por entre fronteiras do conhecimento e se alcançar soberania em áreas estratégicas.
Não há outra!
Informe da OCDE de 2019 revela a cifra de US$50 bilhões em apoio governamental para 21 grandes empresas de semicondutores entre os anos 2014 e 2018. Tratam-se de repasses, isenções fiscais e compra de participações acionárias.
Os passos para alcançar metas estratégicos são bem delineados por Mariana Mazzucato em seu livro “O Estado Empreendedor”:
I. Investimento direto de capital nos estágios iniciais de criação e crescimento de empresas;
II. Acesso a tecnologias resultantes de programas de pesquisa governamentais, iniciativas militares e contratos públicos, ou desenvolvidas por instituições de pesquisa públicas, todas financiadas com recursos estaduais ou federais;
III. Criação de políticas fiscais, comerciais ou de tecnologia, permitindo a manutenção de esforços voltados para a inovação em períodos nos quais os desafios nacionais e/ou mundiais impedem que as empresas continuem à frente, ou fazem com que fiquem atrás na corrida pelos mercados mundiais.
O custo da dependência tecnológica é muito superior ao de investimentos como o caso da Ceitec. Investimento em que o retorno é garantido. Sem mencionar os benefícios sobre a soberania tecnológica, geração de emprego e formação de cadeias produtivas nacionais.
O raciocínio chega a ser infantil se a intenção não fosse, em si, criminosa.
Seriam muitas as empresas de inovação espalhadas pelo Brasil criadas pela livre iniciativa caso o apoio governamental fosse dispensável. Entretanto, o Brasil está se transformando em uma enorme fazenda com a economia tão primarizada que faz lembrar a República Velha.
O destino de empresas como a Ceitec reflete o futuro no Brasil.
Esta República Federativa é uma instituição permanente.
Entretanto, quando se opta pelo caminho da dependência tecnológica de forma deliberada, também se está abdicando do mando sobre seu próprio destino.
À condição, dar-se o nome de neocolonialismo.